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Autor:: Michael Winetzki, MI, 33º
Publicado em 17/06/2022 por MICHAEL WINETZKI
Categoria: Maçônicos
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A PESTE E O FOGO

A história, como um rio manso, é percorrida muito lentamente e de repente uma pandemia, como uma enxurrada, a faz transbordar toda de uma vez. Nas crises as coisas evoluem tão rapidamente que ideias que passaram muito tempo sendo discutidas com pouco ou nenhum progresso são adotadas com um senso de urgência que só existe nas grandes tragédias. Neste momento surgem novas soluções, possibilidades e mudanças radicais no percurso da história. Surgem também as oportunidades de agregação das pessoas de boa vontade para a reconstrução da sociedade em ruínas. Assim nasceu a maçonaria e veremos brevemente os fatos históricos que deram origem à Ordem, cujas profundas raízes estão imersas em uma sucessão de tragédias, mas como uma planta nova vicejou em busca da luz.
Em 1665 a cidade de Londres era uma das maiores do planeta, com cerca de meio milhão de habitantes, superpovoada e malcheirosa, esgotos a céu aberto, com lixo, dejetos, animais, esterco e milhões de moscas, vírus e bactérias espalhados por suas ruas estreitas e imundas. Nas docas do Rio Tamisa chegavam os navios de mercadorias de Hamburgo e Amsterdam que eram transferidas para barcaças que as levavam para o interior da Inglaterra e juntos com as cargas vinham os ratos oriundos de regiões onde a peste ainda grassava.
Grande parte da população da cidade vivia em condições miseráveis, sub-humanas. Eram camponeses expulsos das terras que cultivavam para sua subsistência pela política de cercamentos, (enclosures), um fenômeno político-econômico que teve início no século XII mas sofreu grande incremento no reinado de Henrique VIII e nos séculos seguintes. Inúmeras aldeias desapareceram em decorrência das violentas expropriações e populações inteiras se dirigiram a Londres para viver entre a mendicância e a delinquência,
Eram as condições ideais para a explosão da epidemia da peste bubônica. Em um ano e meio a peste ceifou a vida de cerca de cem mil pessoas. Em diversos locais os cadáveres eram amontados em grandes pilhas e incendiados e o cheiro de carne queimada podia ser sentido em quase toda a cidade. Famílias inteiras pereceram e seus bens e patrimônios ficaram ao léu sendo tomados por oportunistas. Os ricos, no entanto, fugiram da cidade para o interior, inclusive o Rei Carlos II, sua família e parte da corte que se refugiaram em Salisbury e depois em Oxford.
No ano seguinte a tragédia tinha um novo ato. O padeiro Thomas Farriner foi dormir tendo deixado aceso o forno de sua padaria em Pudding Lane. Por acidente o fogo se espalhou, tomou conta do estabelecimento e das casas vizinhas, a maioria das quais feitas de madeira e muito próximas nas estreitas vielas. Devido ao atraso nas providências de combate o incêndio se espalhou rapidamente, durou cinco dias e acabou e destruiu 13.200 casas, muitos prédios públicos e 87 Igrejas, entre as quais a icônica Catedral de São Paulo. Como não havia registro civil na época é incerto o número de óbitos, mas além de cem mil desabrigados historiadores apontam outras milhares de mortes. O fogo acabou também com os ratos e a peste teve fim.

O REI CATÓLICO É DESTRONADO

Em 28 de novembro de 1660 doze notáveis polímatas ingleses formaram a Royal Society, cujo nome oficial é “A Sociedade Real de Londres para melhorar o conhecimento natural”, que viria a se tornar uma das mais importantes sociedades científicas do mundo com a finalidade de resistir ao absolutismo e recorrer a experiências para confirmar as afirmações sobre ciências. Seu primeiro presidente foi o militar, estadista, diplomata, cientista e filósofo Sir Robert Moray, tido como o primeiro maçom especulativo iniciado em território inglês em 20 de maio de 1641 por membros da Loja de Edimburgo.
A Royal Society ainda engatinhava quando as tragédias sucessivas atingiram Londres e o Rei Carlos II decidiu reconstruir a sua capital em tijolos e cimento para que não mais queimasse. Designou o cientista e arquiteto Christopher Wren para para comandar a gigantesca. Wren liderou os milhares de arquitetos, trabalhadores e artesãos que participaram da reconstrução muitos dos quais membros da Venerável Companhia de Maçons (Worshipull Company of Masons) fundada em 1356, uma das muitas companhias de libré (Livery Companies) de Londres. Esses maçons eram e são até hoje essencialmente operativos. Outros trabalhadores vieram de toda a Europa.
Existiam então dezenas de Lojas (Lodges - alojamentos) de trabalhadores envolvidos na construção: pedreiros, assentadores, marceneiros, vidraceiros, transportadores, etc.), vinculados às suas próprias Livery Companies, uma espécie de precursoras dos modernos sindicatos. Ao final do dia de trabalho se reuniam em seus alojamentos ou em tabernas para momentos de descanso e lazer. Os fornecedores dos materiais da construção, ricos empresários, muitos deles membros da nobreza, tinham interesse em estar perto de quem podia determinar os pedidos e passaram a participar destas reuniões onde eram “aceitos” pelos operativos.
Nesta época uma filosofia chamada iluminismo estava em plena efervescência nos meios intelectuais da Inglaterra e da Europa. Buscava contrapor a razão contra as crenças religiosas e exercer a crítica racional em todos os campos do saber humano. Filósofos como John Locke (1632-1704), Francis Bacon (1561-1626), David Hume (1711-1776) e Adam Smith (1723-1790) na Inglaterra e Escócia e Voltaire (1694-1778), Diderot (1713-1784), Rousseau (1712-1778) e Kant (1724-1804) na Europa lançavam as bases da sociedade baseada na razão, na liberdade e na igualdade entre os cidadãos
Na Inglaterra Jaime II assume o trono, restabelece a hegemonia da Igreja de Roma apesar do Rei ser o chefe da Igreja Anglicana e propõe aumento de impostos para os católicos. Assim se indispõe contra a burguesia, a Igreja Anglicana e as forças econômicas. Com o apoio destas forças, representadas pelas guildas, Corporações de Ofício e “Livery Companies” representando a maçonaria operativa, a Royal Society e já então algumas Lojas especulativas, o Rei é deposto e exilado para a França sem derramamento de sangue e por esta razão se chamou de Revolução Gloriosa,
A ascensão ao trono do príncipe holandês Guilherme de Orange, protestante, e de sua esposa Maria Stuart (genro e filha do Rei deposto), ensejou o fim do absolutismo e o surgimento de uma monarquia constitucional, onde o Rei reinava com poderes reduzidos. A burguesia foi fortalecida e a mudança da mentalidade em decorrência das conquistas políticas, da reconstrução de Londres, da filosofia iluminista e das conquistas sociais e econômicas provocadas pela revolução científica e industrial capitaneada pela Royal Society criaram um caldo de cultura que iria propiciar a união daqueles que acreditavam na construção de uma nova sociedade e se uniram diversas Lojas, já então muito mais especulativas do que operativas na criação de uma Obediência, a Grande Loja de Londres e Westminster, que se tornaria a Loja mãe desta revolução maçônica no mundo. Essa mudança foi rapidíssima, apenas 50 anos, em uma época onde a comunicação se dava através de arautos em montarias.

AS CRISES GLOBAIS

A maçonaria especulativa nasceu sob a égide da epidemia. Muitas outras crises aceleraram o crescimento e expansão da Ordem no mundo. O conflito que culminou com independência americana em 1776, a revolução francesa em 1789, a guerra da independência do México em 1810, José de San Martin que de 1812 a 1821 libertou Argentina, Chile e Peru do jugo colonial, Simon Bolivar que de 1813 a 1827 em sucessivas guerras fez a independência de seis nações centro-americanas, até José Bonifácio e Gonçalves Ledo que conduziram o processo que levou à Independência do Brasil por D. Pedro I em 7 de setembro de 1822, Em todos esses conflitos, nestas graves crises e rupturas institucionais a maçonaria esteve presente, algumas vezes de ambos os lados, e cresceu e se fortaleceu. A maçonaria se tornou a primeira instituição globalizada e o maçom genial Castro Alves pontificava:

“E vós, arcas do futuro,
Crisálidas do porvir.
Quando vosso braço ousado,
Legislações construir,
Levantai um templo novo,
Porém não que esmague o povo
Mas lhe seja o pedestal...”

Em 2019, a partir de da cidade chinesa de Wuhan uma nova pandemia ocorre no planeta, a Covid-19. Atinge dezenas de milhões de pessoas levando a óbito mais de seis milhões e causando gravíssimas consequências econômicas e sociais. A sociedade sofre inúmeras transformações desde isolamento consultório até a falência financeira de milhares de empresas e cidadãos. Na área de serviços e finanças parte do trabalho passa a ser realizado em casa, no chamado home-office. Campeonatos esportivos e festividades públicas são suspensas e as Lojas Maçônicas deixam de ter reuniões presencias. Considerando que a união da Ordem se expressa nos encontros presenciais e na prática ritualística, na sucessão de iniciações, grau a grau, que exige a presença em Loja, dava a impressão de que a maçonaria estava prestes a acabar.

O REFLORESCIMENTO DA MAÇONARIA

Mas a experiência de mais de três séculos no enfrentamento e superação de crises se fez valer e mais uma vez na tragédia a maçonaria encontra novo florescimento, com a criação de Lojas Virtuais apenas de estudo, através da descoberta em todo o país de maçons estudiosos que através de palestras realizadas por tele transmissão, quase que diariamente, elevaram o nível de cultura e conhecimento maçônico a um grau sem precedentes, da criação de Academias Maçônicas, de maior aproximação das diversas Potencias regulares e reconhecidas, da publicação de livros físicos e virtuais, do fortalecimento institucional.
Também houve a descentralização das principais ações maçônicas neste enfrentamento. Diz um ditado que os grandes navios se movem mais lentamente do que os pequenos barcos a motor. As grandes Potências maçônicas como a GLESP e o GOB, por sua enorme estrutura, enfrentaram com maior cuidado os problemas causados pela pandemia. Mas Obediências menores como a GLOMARON, de Rondônia e a GLEPA do Pará, investiram audaciosamente na criação destes mecanismos de divulgação e ensinamentos que consolidaram a presença da Ordem em um momento em que os irmãos só se encontravam nas telas.
Inúmeras pequenas Lojas do interior do país, através da liderança de seus Veneráveis Mestres e do apoio dos irmãos do quadro adquiriram reputação nacional organizando palestras virtuais, de altíssima qualidade, com alguns dos maçons mais cultos do país. Outros grupos criaram cursos de aperfeiçoamento levados a todo o território nacional. Nasceram ainda grupos de discussão ou confrarias reunindo irmãos eruditos para a publicação de trabalhos de alto padrão. Nestes eventos virtuais ocorreu não só o encontro e a integração de maçons de todos os estados brasileiros como também a participação de irmãos de muitos outros países da América Latina, Estados Unidos, Inglaterra, Portugal, França etc., fato que seria impensável em outra época.
Dados estatísticos indicam que a maçonaria vem perdendo membros em todo o planeta. No Brasil o número tem se mantido próximo da estabilidade e o dado preocupante é a elevada idade média dos maçons. Mas se observa nas “lives”, como são chamadas as reuniões maçônicas virtuais, em função da tecnologia e facilidade de acesso, a participação crescente de maçons mais jovens, mais preparados. Os maçons mais idosos e experientes relatam a alegria de retomar os estudos em um patamar tão elevado que dificilmente as Lojas poderiam apresentar e se tornam elementos multiplicadores de conhecimento em seus Templos, além de se tornarem mais proficientes e habilidosos no uso das ferramentas de comunicação eletrônicas.
Apesar da pandemia, apesar das crises econômicas e políticas a maçonaria vai continuar a crescer, a lapidar o caráter de seus membros, a buscar tornar o mundo um lugar mais justo, feliz e melhor para se viver. Desde a sua fundação este sempre foi o objetivo, cavar masmorras ao vício e levantar templos à virtude. Continuamos trabalhando nisso. TFA.

Referências bibliográficas
Aslan, Nicola - A maçonaria operativa - Ed. A Trolha, 2008
Bark, William C. - Origens da Idade Média - Zahar Ed., 1958
Lima, Walter C. de - Ensaios sobre filosofia e cultura maçônica - Ed. Madras, 2012
Melo, Carlos M - Pandemias - ed. do autor, 2022
Pirenne, Henri - História econômica e social da Idade Média - Ed. Mestre Jou, 1968
Wikipédia - inúmeros verbetes em português e ingles
i-https//em.wikipedia.org/wiki/Robert_Moray

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